Início Arte e Cultura por Adriana Sorgenicht Teixeira A arte em tempos de Covid-19

A arte em tempos de Covid-19

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Passado o primeiro e forte impacto, e na tentativa de nos amoldarmos à nova, triste e preocupante realidade pandêmica que vem se impondo na vida do planeta, vamos hoje tratar do turismo cultural e a arte se reinventando em todo o mundo frente às incertezas do atual cenário.

Ao mesmo tempo, e apesar de algum atraso, não poderíamos fechar o mês sem homenagear dois de nossos maiores artistas: a gigantesca Elis Regina, que teria completado 75 anos no último dia 17, e o ator Lima Duarte, que completou gloriosos 90 anos no domingo, 29 de março.

Por último, nos antecipando ao centenário da escritora Clarice Lispector (1920-1977), reproduzimos um parágrafo de seu último livro, Um Sopro de Vida (Pulsações), que por coincidência remete ao que vimos praticando compulsoriamente, como medida de precaução e sobrevivência: o isolamento, o silêncio, a solidão, o reencontro com o nosso eu, classificados sabiamente como artigos de luxo pela autora.

Coronavírus – A pandemia e a reinvenção cultural

Seguem algumas observações ao longo das última quinzena, sobre as opções de entretenimento na quarentena. Com ou sem a ajuda da tecnologia, uma vez que teatros, museus e cinemas fecharam suas portas como medida de contenção do Covid-19.

Como já cantou Milton Nascimento (parceria com Fernando Brandt) em Nos Bailes da Vida, do álbum Caçador de Mim (1981), “o artista tem de ir aonde o povo está”. Ou seja, é seguir o bom senso, que nos pede pra FICARMOS EM CASA nessa fase de pandemia. E deixar que venham até nós.

São shows, peças, leituras dramatizadas, apresentações à distância em sacadas de edifícios residenciais, tours virtuais, filmes e atrações infantis, pop ou clássicas na internet. Muitos artistas de todos os continentes também realizam lives (performances ao vivo de suas residências). Além daqueles que apresentam seus trabalhos em plataformas on-line, de fácil acesso, face ao isolamento imposto pelo coronavírus.

Sem contar os conteúdos liberados (Telecine, HBO e Canal Brasil) para clientes não assinantes nas plataformas de tevê fechada (Net e Sky). Arte por toda parte e para todos!

Calendário

Elis Regina – 75 anos

Lembro-me como fosse hoje. 19 de janeiro de 1982, sentada sobre uma mesa de centro de madeira entalhada, no meio da sala de visitas da casa em que morava.

Era perto do horário de almoço. A jornalista da Globo Celene Araújo, uma das apresentadoras do jornal do meio-dia, anunciou o bloco seguinte do noticiário, em tom solene: “Elis Regina morre…..” num milésimo de segundo, completei: “De rir!!!” Pois na minha cabeça, Elis só poderia morrer de rir….

A arte em tempos de Covid-19

O susto foi tamanho que me recusei a aceitar, saí aos prantos e percorri a esmo um caminho de terra próximo. Demorei a retornar, mas não me recuperei. Até hoje. Um dos maiores choques, pensar que Elis não existia mais. Mas sua arte ficou.

Não tive o privilégio de assistir a seus shows e meu acervo é modestíssimo (foto). Inversamente proporcional ao reconhecimento de sua arte e talento, uma interprete ímpar que imortalizou sucessos. Muitos dos quais aludem de forma inspirada a lugares e paisagens desse nosso Brasil.

Este mês a “Pimentinha” Elis Regina Carvalho Costa estaria completando 75 anos de idade. Gracias a la vida, gracias Elis!

A arte em tempos de Covid-19
Meu modestíssimo acervo

Lima Duarte – 90 anos

Uma das lendas vivas do cinema e, principalmente da televisão, Ariclenes Venâncio Martins, ou melhor, Lima Duarte, é um ator, diretor de telenovela, radialista, dublador (de desenhos animados de Hanna Barbera) e apresentador brasileiro.

Além de pioneiro da televisão, é considerado um dos mais importantes atores do Brasil. Tornou-se famoso através de vários papéis memoráveis ao longo da história da telenovela brasileira.

Seus personagens antológicos, seus “causos” pessoais e histórias de escritores consagrados, como Guimarães Rosa, também demonstram sua versatilidade e vasto repertório cultural e artístico. Um mito, uma lenda, um ícone, merecedor de nossos tributos e agradecimentos.

A arte em tempos de Covid-19
Crédito: Ego globo.com

Quem disse?

“Fiquei sozinha um domingo inteiro. Não telefonei para ninguém e ninguém me telefonou. Estava totalmente só. Fiquei sentada num sofá com o pensamento livre. Mas no decorrer desse dia até a hora de dormir tive umas três vezes um súbito reconhecimento de mim mesma e do mundo que me assombrou e me fez mergulhar em profundezas obscuras de onde saí para uma luz de ouro. Era o encontro do eu com o eu. A solidão é um luxo.” Clarice Lispector – Um Sopro de Vida (Pulsações) – 1978

Sob medida para o momento que vivemos, o trecho acima foi extraído da última obra escrita por Lispector, que começou a ser elaborada em 1974. Nessa época, a escritora estava gravemente doente, terminando por falecer em dezembro de 1977.

Considerada uma das maiores escritoras do Brasil, ela foi romancista, contista, cronista, tradutora e jornalista. Pertence à terceira fase do movimento modernista e imprimiu em suas obras uma literatura intimista, de sondagem psicológica e introspectiva, com mergulhos no pensamento e na condição humana.

Um sopro de vida da própria Clarice, publicado postumamente, o livro resulta de três anos de escrita, desenvolvida concomitantemente à da novela A Hora da Estrela, ambas narrativas fortemente tomadas pela música. “Não consigo imaginar uma vida sem a arte de escrever ou de pintar ou de fazer música.” Em Um Sopro de Vida, a presença musical tem a ver com a busca da expressão capaz de chegar a zonas dificilmente traduzíveis por palavras.

O enredo é simples: o narrador-escritor, ao escrever sobre Angela Pralini, personagem de outras narrativas da escritora, se vê diante de um espelho invertido de si próprio. Angela, também escritora, o expõe aos próprios desejos inalcançados e traz a discussão do tênue limite entre autor e personagem.  A situação provoca reflexões sobre o estar no mundo e sobre o processo criativo.

Leia da mesma autora Chopin: a mais bela definição do espírito polonês