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A crise da Covid-19 e a carga tributária

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Direito é fundamental para regrar as relações intersubjetivas na sociedade e como meio de prevenção, gerenciamento de crises e riscos. Assim é de suma importância ao Direito criar estratégias jurídicas eficientes às complexidades geradas no novo estilo de vida da humanidade, devido à crise inesperada e com poucos precedentes.

Essa crise apresenta inúmeros impactos sociais e complexidades jurídicas. Em especial diante das dificuldades financeiras de vários setores (há algumas áreas da economia estão indo muito bem), rompimento de contratos, dificuldades para honrar compromissos, arcar com folha de salários, etc.

O ordenamento jurídico é estático. Ele não consegue produzir normas no sistema com a mesma velocidade que avança a crise da Covid-19. Isso acontece devido à complexidade de informações e sequelas que esta pandemia traz.

Uma delas é a crise econômica devido a necessidade do isolamento social. Ela acarretou queda das receitas das empresas, autônomos e trabalhadores informais, bem como aumento do desemprego e fechamento de atividades empresariais. Isso teve como consequência a diminuição de arrecadação do Governo Federal, dos Estados, Distrito Federal e dos Municípios.

Os Governos em todos os seus âmbitos estão com despesas extraordinárias, imprevistas no orçamento. Terão gastos públicos muito grandes em razão da crise atual do coronavírus, acarretando o aumento do déficit público.

Logo, precisam arrecadar mais e para isso deve aumentar a carga tributária sobre os contribuintes. Essa seria a solução e o que apresentam os operadores do Direito, tanto que no Estado de São Paulo tem o PL nº 250/20 que aumenta a alíquota do ITCMD de forma progressiva para 8%. Proposta no mínimo indecorosa no momento de tantos óbitos devido à pandemia.

No âmbito federal, a Unafisco apresentou 10 propostas alegando a identificação de contribuintes e setores com capacidade contributiva, resguardando as pessoas com baixa renda e desonerando micro e pequenas empresas.

Três propostas são para desonerar o contribuinte e 7 (sete) são para aumentar a carga tributária. Segundo a Unafisco, elas servirão para incrementar a arrecadação, sem prejuízo à retomada da economia.

Propostas para desoneração tributária

  • Isenção total de tributos, até abril de 2021, para micro e pequenas empresas do Simples Nacional, com faturamento anual até R$ 1,2 milhão, nos meses em que o seu faturamento apresentar decréscimo de ao menos 20% em relação a igual período do ano anterior. A isenção fica limitada ao valor da folha de salários. Contrapartida: manutenção dos empregos.
  • Redução ou eliminação da arrecadação compulsória para o Sistema S, incidente sobre a folha de salários, de forma que a adesão ao sistema e os pagamentos sejam feitos livremente, mediante convênios com as empresas. Estimativa de desoneração: R$ 17,67 bilhões (base: valor pago pelas empresas em 2019 às entidades integrantes do Sistema S: Senai, Sesi, Senac, Sesc, Sebrae, Senar, Sest, Senat e Secoop).
  • Utilização da taxa de câmbio de 31/12/2019 para o cálculo dos tributos incidentes sobre importação. Isso tem efeitos relevantes para o cálculo do II (Imposto de Importação), IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) vinculado, Cofins e ICMS, na importação. Constitui uma importante redução de custo para os segmentos do comércio e da indústria que dependem de insumos e produtos importados. Não é razoável que o Estado aumente sua arrecadação sobre esse segmento em decorrência de uma flutuação cambial extraordinária. Estimativa de desoneração: R$ 12 bilhões, considerando-se câmbio médio de 5,00 reais por dólar nos próximos 12 meses.

Propostas para oneração tributária

  • Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) permanente + Empréstimo Compulsório sobre a mesma base em 2020.  Incidência de alíquotas progressivas de até 3% sobre grandes fortunas, com objetivo de alcançar uma alíquota efetiva de 2,5%. Contribuintes: pessoas físicas domiciliadas no Brasil, e pessoas físicas ou jurídicas domiciliadas no exterior em relação ao patrimônio que detenham em território brasileiro, superior a 20 milhões de reais. A medida alcança cerca de 0,1% dos contribuintes do IRPF. O IGF submete-se ao princípio da anterioridade. Assim, só poderia vigorar a partir de 2021. Razão pela qual se propõe o Empréstimo Compulsório, com a mesma base, para o ano de 2020. Contribuição Social (em caráter temporário), com alíquota de 20%, incidente sobre todas as receitas financeiras de todos e quaisquer fundos, inclusive do Tesouro Direto. Ficam isentos dessa incidência os contribuintes pessoas físicas com rendimento anual em 2019, tributável ou não, de até 5 vezes o limite de isenção anual do IRPF.
  • Instituições Financeiras – Acréscimo temporário de 15% na Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL. Estimativa de arrecadação: R$ 18 bilhões anuais (base = lucro líquido das instituições financeiras em 2019, de R$ 120 bilhões)
  • Acréscimo temporário de 4% na Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins.
  • Tributação do ganho cambial extraordinário auferido pelo setor de exportação nesse período de crise, com alíquota de 10%. Ele incidirá sobre os contratos de câmbio de exportação fechados acima da cotação de 4,45 reais por dólar. Independentemente da data de liquidação. A cotação do dólar em 31.12.2019 estava em 4,013 reais, e hoje está acima de 5 reais.

Como é preciso compensar as empresas exportadoras que importam insumos, o tributo deve incidir sobre o saldo dos contratos de exportação de cada empresa, subtraindo-se os contratos de importação. Não haverá incidência sobre empresas do Simples Nacional. Para a implementação da medida, pode ser criada uma Contribuição Social específica (por Lei Complementar), ou, por iniciativa do Executivo, pode ser alterada a alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) ou do Imposto de Exportação (IE). No caso dos impostos, a vantagem é que eles podem ser instituídos e alterados por Decreto. Seus efeitos arrecadatórios são imediatos.

  • Empréstimo Compulsório, alíquota de 15%, incidente sobre  lucro líquido de 2019, distribuído em 2020, de empresas com faturamento anual superior a 78 milhões de reais. Estimativa de arrecadação: R$ 10 bilhões. Essa incidência possui função extrafiscal. Ela incentiva o reinvestimento dos lucros de 2019 nas atividades das empresas em 2020. Não incidirá sobre os valores recebidos até o limite anual de isenção do IRPF.
  • Empréstimo Compulsório, alíquota de 25%, incidente sobre  lucros e dividendos remetidos ao exterior em 2020. A alíquota deverá ser majorada para 50% caso o destinatário esteja localizado em paraíso fiscal. Estimativa de arrecadação: R$ 28 bilhões. Essa incidência também possui função extrafiscal.
  • Alteração, por Resolução do Senado, da alíquota máxima do Imposto Sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) para 30%, permitindo aos Estados e Distrito Federal maior autonomia para imprimir aplicação mais progressiva deste tributo, em alinhamento com a experiência internacional. Hoje, a alíquota máxima definida pelo Senado é de 8%. Enquanto a maioria dos Estados aplica alíquota efetiva média próxima a 4%. Alguns, menos. O ITCMD no Brasil é dos mais baixos do mundo, entre as grandes economias. Segundo o artigo 155, §1º, IV, da Constituição Federal, cabe ao Senado fixar a alíquota máxima para o ITCMD.

Estamos em um momento de incertezas, inseguranças e um cenário muito complexo. Uma visão simplista de aumento da carga tributária de pessoas e setores com capacidade contributiva não resolverá o problema, não garantirá o emprego e a retomada da economia.

O Direito precisa fornecer uma outra visão do ordenamento jurídico. Ele deve ter como objetivo evitar riscos e ônus dessa pandemia, comunicando com as demais áreas da sociedade e do conhecimento. O direito resolve problemas, mas não sozinho. Ele precisa visualizar os problemas sociojurídicos para desenvolver estratégias jurídicas para a coletividade.

A sociedade é dinâmica e complexa. O Direito tenta disciplinar todas as relações que ocorrem e poderão ocorrer nessa sociedade. É preciso uma ruptura com esse modelo de criar mais tributos ou aumentar as bases de tributação para aumentar a arrecadação tributária, em razão de cada vez mais o Estado precisar de receita.

Precisamos construir estratégias jurídicas, reduzir os riscos, os prejuízos e os ônus que a sociedade está suportando e buscar melhor forma de gerenciar essa contingência, reduzindo os gravames dessa pandemia. Temos que ver fórmulas propositivas para a retomada da economia e do emprego, não aumentar mais o ônus. Repita-se, sugerir aumento do ITCMD nessa crise é, no mínimo, insensível.

Artur Lafer, economista americano, integrante da equipe econômica do governo Ronald Reagan, na década de 70, desenvolveu a curva de Lafer, onde a tributação tem que encontrar o ponto ótimo. Um equilíbrio do máximo de carga tributária que a sociedade suporta e a maior arrecadação que o ente político pode auferir.

Ao passar desse ponto a tendência é diminuir a arrecadação. Isso acontece pois ocorre uma fuga do capital, desestímulo ao investimento, quebra de empresas e aumento da sonegação. O problema da curva de Lafer é que nenhum estudo foi conclusivo sobre qual seria o ponto ótimo de tributação, qual o percentual do PIB. Alguns apontam que entre 25% e 30% seria o ponto ótimo da curva de Lafer.

Apesar disso, antes da crise do Covid-19, já tínhamos uma economia estagnada, sem grandes investimentos e contribuintes reclamando da alta carga tributária, tanto que criaram o impostômetro para mostrar o quanto o erário arrecada por minuto, e de outro modo, o fisco respondeu com o sonegômetro, para explicitar o quanto se sonega no país por minuto. Fato é que este cenário simplista demonstrado já apresenta que o ponto ótimo de tributação foi ultrapassado no Brasil há muito tempo.

O País está com uma alta carga tributária maior que os países membros da OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. E continua subdesenvolvido em todas áreas, inclusive economicamente.

Diante dessa pandemia imaginável, medidas mais audaciosas precisam ser tomadas. É preciso, efetivamente, proteger a economia, o contribuinte e o emprego. Não adianta um país com alta carga tributária (maior que a média da OCDE) querer elevá-la ainda mais, visando obter mais recursos para arcar com os gastos da crise.

Medidas desse calibre somente prejudicariam mais a situação financeira dos empreendedores, dos trabalhadores e das empresas para retomarem suas vidas, seus negócios e a economia.

É preciso visualizar o contexto e sua complexidade e aplicar normas tributárias disruptivas. É necessário romper com esse modelo que não funciona no Brasil há anos e não será agora, na época de pandemia, que irá funcionar.

Terão que ser adotadas normas jurídicas que visarão reduzir a primeiro momento a sua entrada de receitas advindas da tributação, diminuindo a carga tributária e concedendo efetivos benefícios fiscais, objetivando ajudar a retomada do crescimento econômico e a mantença do emprego.

Necessário, nesse momento, diminuir o custo tributário da atividade empresarial e os encargos sobre o emprego. Algumas medidas que poderiam ser tomadas, seria a redução temporária das alíquotas das contribuições incidentes sobre a folha de salários, a suspensão do imposto de renda por estimativa das empresas no lucro real (as empresas dificilmente terão lucro no final do exercício e estarão dispendendo recursos financeiros para antecipar um impostos que não será devido), retorno da alíquota inicial na época da instituição do simples nacional, acabar com as dificuldades e obstáculos para os contribuintes aproveitarem créditos e prejuízos fiscais, fim da exigência da certidão negativa de débitos – CND (a maioria das empresas terão restrições), redução temporária da alíquota do ICMS e respeito ao princípio da não-cumulatividade garantindo o total aproveitamento de créditos do imposto (crédito financeiro garantido pela Constituição Federal) para liquidar seus débitos, entre outras.

Deve-se acabar com as burocracias e empecilhos legais ou não, que impedem o contribuinte de aproveitamento integral de seus créditos fiscais advindos de pagamento a maior ou indevidamente de tributos para compensar com seus débitos tributários, bem como o integral direito do contribuinte aproveitar os créditos de PIS e COFINS advindo da aquisição de insumos, bem como no ICMS.

Quanto às empresas prestadoras de serviços é de fundamental importância tirá-las do regime da não cumulatividade do PIS e da COFINS, pois quase não possuem insumos que dão direito aos créditos para compensar com as respectivas contribuições devidas, tendo em vista que seu principal custo são os salários dos trabalhadores e estes não dão direito a crédito para compensar com o PIS e a COFINS.

O Governo terá, inicialmente, uma diminuição das suas receitas. Irá se endividar, porém sempre terá receitas entrando nos cofres públicos. No linguajar popular, o Estado é sócio de todas as empresas do País, tem participação na receita de todos os contribuintes, independentemente se estão tendo resultados positivos ou não.

Se as empresas e contribuintes vão bem, o Estado arrecada bem, se vão mal ou quebram, o Estado arrecada menos. Desse modo, é de suma importância incentivar as empresas, a economia e não aumentar o ônus em cima dos contribuintes.

Por sua vez, o Governo, em todas as esferas e âmbitos, precisa fazer sua lição de casa, reduzir drasticamente suas despesas, acabar com as mordomias e penduricalhos existentes em todos os Poderes, em prol de toda sociedade, da retomada econômica e do emprego, atingindo a finalidade do Estado ou próximo dela, que é o bem comum da população. Posteriormente, passando essa crise e com o desenvolvimento econômico a tendência é um aumento de arrecadação fiscal.

A OCDE no seu relatório “Política tributária e fiscal em resposta à crise do coronavírus: fortalecendo a confiança e a resiliência”, editado no dia 15 de abril do corrente ano, apontou nesse sentido, que os países devem se preocupar com os empregos, as empresas e com as famílias, para depois se preocupar com o déficit gerado pela pandemia.

Está mais do que na hora de ser respeitado o princípio da República e revermos os gastos públicos, os privilégios e despesas supérfluas, para enxugar o Estado e ajudar a diminuir o custo Brasil.

Estamos diante de uma oportunidade para reduzir os gastos da máquina pública e da carga tributária para podermos manter os empregos, sair dessa crise, retomar as atividades econômicas e cotidianas.

André Felix Ricotta de Oliveira é advogado e professor e doutor de Direito Tributário e presidente da Comissão de Direito Tributário e Constitucional da OAB-Pinheiros
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