É natural que com o tempo certas palavras mudem de significado. Algumas, ganhando duplo sentido, como “barbeiro” – depois de cortar o seu cabelo, nada impede afinal que o João corte o trânsito pela contramão. Outras, invertendo a sua carga completamente, como “formidável” – originalmente, sinônimo de assustador, hoje é um elogio indiscutível.
Esse fenômeno também afeta como nós, profissionais, somos vistos. Quem nunca ouviu falar, por exemplo, do termo marqueteiro?
Você já deve imaginar que preferimos evitar este termo cujo significado, nas últimas décadas, se tornou sinônimo de “fanfarrão”, “sensacionalista”, “enganador”. No entanto, é fácil entender o porquê dessa visão distorcida, e até satirizada, do nosso meio. O marketing, em essência, trabalha com promessas e expectativas. Quando a realidade não condiz com elas, ainda que em apenas parte das experiências, o mercado todo sofre.
No turismo, há um caso parecido. Quando os críticos se utilizam do termo turistificação, estão atrelando a prática do turismo a uma forma não autêntica de viajar – o que, convenhamos, assim como no marketing, não é o que acontece na maioria dos casos, mas mancha a reputação de todo o setor.
Tanto é que o marketing e o turismo podem ser e são grandes aliados na construção de discursos e experiências genuínas, conectando pessoas a regiões, culturas e vivências completamente diferentes, ainda que personalizadas. Isso se dá por um fator muito simples: tanto o marketing, quanto o turismo têm muitos motivos para contar boas histórias, e as pessoas amam boas histórias.
Vou começar com um exemplo pessoal.
Quando visitei a casa de Santos Dumont, em Petrópolis, me deparei com aqueles degraus de entrada cortados pela metade, alternadamente, me obrigando a subir a escada primeiro com o pé direito. Com isso, fui tentado a supor que o pai da aviação era supersticioso. (Nada mais justo: se você quer ser o primeiro homem a voar, é bom ter entidades a seu favor). Um detalhe que me capturou gerou uma história.
Ou então, um exemplo menos histórico, mas tão historificável quanto.
Redes de hotéis de luxo costumam ter experiências mais ou menos semelhantes ao redor do mundo, no sentido de que elas proporcionam alto grau de conforto ao hóspede e certo isolamento do mundo exterior, como um clube. No entanto, há sempre aspectos locais que influenciam na experiência do consumidor. A sua gastronomia, por exemplo, será inevitavelmente conectada à região onde o hotel está localizado, e isso já é um pretexto para o hoteleiro contar uma boa história.
Mas é claro, não para por aí: as práticas esportivas, culturais e artísticas, passeios a núcleos turísticos, possibilidade de interação entre os hóspedes, tudo isso contribui para que uma experiência premium não seja igual a qualquer outra, mas única e memorável.
Veja o caso da Riviera Maya, no México. O destino, conhecido por suas praias paradisíacas e poços subterrâneos de beleza incomparável, se tornou mais do que uma aventura para os fanáticos por natureza e história sul americana, atraindo viajantes que procuram luxo em meio a uma paisagem exótica. Ao redor de Ik Kil, um dos poços mais lindos da região, foi feito um ecoparque com luxuosas cabanas que proporcionam aos turistas uma experiência mista entre a tradição Maia e os tempos atuais.
Parece contraditório, mas não é. Mesmo que em doses homeopáticas, até as pessoas menos propensas ao novo precisam ter contato com o exótico. Darei outro exemplo pessoal.
Tenho um amigo cuja família já foi à Disney muitas e muitas vezes, desde que ele era criança. Eles amam os parques e a experiência, sem dúvida. Mas, contrariando as expectativas, há alguns anos, este meu amigo também foi à Tanzânia escalar o monte Kilimanjaro – o pico mais alto da África! –, algo ligeiramente mais radical do que uma montanha-russa da Universal Studios. O que essas duas experiências, aparentemente inconciliáveis, têm em comum? Ambas geram grandes histórias e estão repletas de significado, seja através do mundo mágico americano ou do desafio selvagem africano.
Marketing e turismo têm muito em comum, e acredito que seja só o começo.
O que as pessoas querem, afinal, é saírem transformadas de uma viagem. Nós voltamos para casa, mas nunca somos os mesmos da ida. Como comecei falando, as coisas mudam com o tempo, e o marqueteiro inteligente usa esse fenômeno a seu favor.